Vias Expressas

Estamos todos dirigindo por vias de alta velocidade, algumas vias mais rápidas, outras mais lentas, porém nem todos sabemos para onde estamos indo.

Há um infinito número de out-doors postos aos dois lados das vias e muitos balões-propaganda por sobre as mesmas, todos com o lixo publicitário de costume.

A grande maioria dos motoristas e passageiros acostumou-se, desde a infância, a olhar para os lados, para os out-doors, causando assim uma espécie de sedimentação no início da coluna vertebral que provoca fortes dores quando se posiciona a cabeça para frente.

Infelizmente, ao olhar para os lados, não conseguimos mais ver a paisagem natural, pois o campo visual está completamente tomado pela complexa estrutura de propaganda e, ao olhar para cima, mal conseguimos apreciar o céu ou as estrelas, pois os balões-propaganda ferem, ou melhor, interferem a nossa observação. Há pessoas que, desde o nascimento, nunca conseguiram apreciar a natureza, ou o céu e as estrelas, por conta destes fatores.

Como todos trafegam muito rápido, as mensagens transmitidas pelos out-doors e balões-propaganda são assimiladas pelo cérebro de forma inadequada, impossibilitando o raciocínio sobre as mesmas. As pessoas deixam de prestar atenção ao caminho, à estrada e dedicam toda sua observação às propagandas.

Através de telefones instalados em todos automóveis, todos fazem compras dos produtos que vêem nos out-doors. Esses lhes são entregues quando param para reabastecer nos diversos postos-shopping-centers que foram construídos ao longo do caminho.

Há um grande número de ônibus circulando pelas vias. Esses veículos coletivos transportam as pessoas de menor poder aquisitivo, que não possuem automóvel. Em cada ônibus está instalado um telefone público, através do qual os passageiros também podem fazer compras.

Uma enorme multidão de miseráveis caminha a pé pelos acostamentos dessas rodovias. Estes não têm dinheiro para o mínimo, nem mesmo para pagar a passagem de um ônibus. Ficam sempre a pedir carona ou esmola, para pagar a passagem de um ônibus ou algum veículo clandestino.

Embora o preço dos pedágios esteja elevadíssimo, as rodovias estão cheias de buracos. A manutenção das rodovias e os postos de pedágio foram privatizados. A empresa que comprou a maior parte dos postos de pedágio, que é a responsável pela maior parte da manutenção das rodovias, é a maior fabricante de suspensão e amortecedores para automóveis e, desde que os buracos pararam de ser tapados, triplicou seu faturamento.

Como, devido àquela sedimentação da coluna vertebral, a maioria das pessoas olha para os out-doors e não para a pista, essa mesma empresa adotou uma eficiente estratégia para amenizar as reclamações e processos judiciais dos quais vinha sendo alvo: Implantou a cada três out-doors publicitários, um out-door-3-D com a imagem de uma pista perfeita, sem buracos.

Como todos estão condicionados a ver tudo às pressas, pois precisam decorar os números de telefone dos produtos que querem comprar - ou pensam que querem - acabam não dando atenção à imagem da pista sem buracos que, aparentemente, não tem sentido algum e é muito repetitiva. Aí está a eficiência: as imagens repetitivas são assimiladas subliminarmente pelo cérebro, o que faz com que a maioria das pessoas acredite que estamos trafegando por pistas sem buracos. Exceto por uma vez ou outra, quando o carro passa por um buraco muito grande, porém, logo após o susto, tudo volta ao normal.

Algumas Organizações Não-Governamentais promovem campanhas de doações para remendar os buracos e providenciar transporte para os que não têm. Porém, com o tempo, os remendos cedem e os buracos voltam a aparecer, enquanto a empresa responsável pela manutenção das vias assiste a tudo de braços cruzados e o governo deixa de investir em transporte público.

Embora seja muito mais poluente, a maioria esmagadora dos consumidores prefere automóveis movidos a óleo diesel, pois é menos caro.

Em meio à fumaça e sons de buzina, muitos acreditam que essas vias nos levarão ao paraíso, outros dizem que nos levarão a um precipício. Eu acredito que estamos, há muito, andando em círculos.

3 comentários:

  1. Como em Ulisses
    Jorge está esperando o ônibus. Olha ao lado para a moça que também parece esperar um onibus ou talvez uma carona. Ele lembra que um dia beijou Marina e do gosto da boca carnuda que parece com o da moça do anuncio em frente. Acaricia o seu celular enquanto pensa em comprar o que a moça está vendendo no anuncio. O carro que passa podia ser o seu e ele podia ter a moça ao lado e os dois iriam juntos pela estrada comprando batons. Ele não quer batom mas lembra do gosto do batom e da bolacha que comeu hoje. O gosto de café barato lhe sobrevem as narinas enquanto o ar sobe. O carro verde que passa combina com o azul do sapato da moça porque ele não consegue levantar os olhos e olha-la nos olhos como deveria fazer para poder talvez ter algum contato. Só lembra dos olhos de Marina que não tem cor como tem cor a moça do anuncio que ele viu antes de baixar os olhos para os sapatos que a moça do anuncio não está vendendo. Jorge pensa que seria bom que a moça em frente lhe dissesse olá como num anúncio de TV ou como a novela que passou aonde a moça pelo qual o heroi estava apaixonado disse olá depois de esperar inultimente que ele falasse com ela. Quem sabe a moça em frente falasse com ele e lhe dissesse olá e ele levanta os olhos e vê o anuncio brilhando espetado no céu lhe chamando e convidando a comprar. O telefone vem automaticamente aos seus dedos e ele começa a dedilhar nervoso enquanto pensa que o salário não vai dar nem para pagar o telefone quem dirá a compra e não pode pagar nem o café barato pra moça em frente que ele já não vê atraido que está pela moça do anuncio e pelo anuncio da moça que o anuncio conta mais que a moça e que o café barato que ele já não pode comprar porque o salário não dá nem até o final da semana quem dirá até o final do mes e talvez por isso Marina tenha ido num carro, num onibus e ele não consegue lembrar porque Marina se foi se é que ela se foi ou se restou perdida em alguma esquina que ele não lembra enquanto pensa que o onibus está demorando a chegar

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  2. "Que estranha cena descreves e que estranhos prisioneiros, São iguais a nós."

    Platão, República, Livro VII

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  3. Sinal Fechado - Paulinho da Viola

    Olá, como vai ?
    Eu vou indo e você, tudo bem ?
    Tudo bem eu vou indo correndo
    Pegar meu lugar no futuro, e você ?
    Tudo bem, eu vou indo em busca
    De um sono tranquilo, quem sabe ...
    Quanto tempo... pois é...
    Quanto tempo...
    Me perdoe a pressa
    É a alma dos nossos negócios
    Oh! Não tem de quê
    Eu também só ando a cem
    Quando é que você telefona ?
    Precisamos nos ver por aí
    Pra semana, prometo talvez nos vejamos
    Quem sabe ?
    Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)
    Tanta coisa que eu tinha a dizer
    Mas eu sumi na poeira das ruas
    Eu também tenho algo a dizer
    Mas me foge a lembrança
    Por favor, telefone, eu preciso
    Beber alguma coisa, rapidamente
    Pra semana
    O sinal ...
    Eu espero você
    Vai abrir...
    Por favor, não esqueça,
    Adeus...

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