Viviam num cesto de vime, porque ali o amor era mais quentinho. Viviam num cesto de vime, porque não cabiam mais noutro lugar. Viviam juntos num cesto de vime para não lembrar o que fora, do cesto de vime, aconteceu.
O mundo não precisava mais das suas velhices, então os descartou. Assim como se descarta cestos velhos de vime.
O cesto tinha rodinhas. Enquanto ela dormia, ele, certo do seu amor, saia de dentro e empurrava para algum lugar bonito. Assim, quando ela acordava ele dizia:
- seu sonho nos transporta.
O cesto tinha rodinhas. Enquanto ele dormia, ela, certa de seu amor, saia de dentro e empurrava para outros lugares. Assim, quando ele acordava ela dizia:
- seu sonho nos faz viajar.
O que os dois não sabiam é que cada um, na verdade, empurrava o cesto, enquanto o outro dormia, pois era chegada a hora do caminhão do lixo passar. Mas só o cesto, fiel confidente, sabia desses segredos.
Dentro do cesto de vime tinha fogão, geladeira, lanterna, máquina de lavar roupas, microondas, computador, aspirador de pó, liquidificador, batedeira, ferro de passar, mesa, cadeiras, um radinho de pilhas, sofá, televisão e DVD. Tudo em grafite em folha sulfite, menos o radinho e a lanterna.
E se amavam no cesto de vime.
O cesto era furadinho, como todo cesto de vime. A isso eles davam o nome de claraboia. O que facilitava à lua cheia. Já, em dias de chuva, brincavam de caverna e enquando a água entrava, fingiam que eram os estalactites que pingavam, daí podiam nadar, dentro do cesto, no lago natural que se formava. Pareciam duas crianças (apesar das idades avançadas), se divertiam, se amavam e se odiavam como elas.
A lua, já citada, era para eles a tela de um cinema, abriam a tampa do cesto e por horas a contemplavam. Gostavam de ver suas formas e seus preenchimentos. Quando a fase era nova, inventavam histórias para revelar o porquê se escondia.
E se amavam, com a dureza de se amar num cesto de vime. Se amavam na fome e na doença, na desgraça e na tristeza, no desconforto e na sujeira, no frio e no medo, até que a morte os separassem.
Ele, sozinho, já não tinha mais motivos para empurrar e se deixou levar com o cesto de vime.
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