Passarês

Todos estranharam!
Quando anunciei minhas intensões musicais,
foi na aula de música da escola primária
que prenunciei que seria flautista.
Estranharam, pois alguém de minha índole
não possuía o estereotipo de um flautista!
Aconselharam-me quanto a pouca virilidade do instrumento,
quanto o insucesso ante as garotas,
mas eu só tinha oito anos,
não conhecia de fato tal pretensão.
Em busca de patrocínio a esta empreita,
convenci minha mãe com certa facilidade,
mas quanto a meu pai, precisei citar chorões,
como Altamilho Carrilho e Waldir de Azevedo,
afinal, falar em samba para o velho era apelação.

Não contei minha real cobiça a ninguém,
mas acreditava que flautistas falavam com pássaros,
eu intentava aprender tal idioma, o passarês.
Quanto a musica, disseram-me que aprendi tocar depressa,
mas não observaram o tempo que levei pra gorjear.
Foram poucos dias para executar sabiamente todas as notas,
mas demorei meses pra diferenciar pio de silvo.
Em alguns anos executei a Primavera de Vivaldi em um concerto,
mas o bastava o tempo mudar e eu tocava pro outono,
para o verão ou pro Luar, para amores e não amadas,
para amandas e amigos,
para o medo ou alegria...


Os anos se passaram,
e envelhecemos,
eu e minha flauta.
Já não sei se na verdade foi bem essa a história.
Mas sei que hoje pela manhã um saíra-azul
que pousou em minha janela,
disse-me que eu era um velho louco,
(Onde já se viu? Velho que fala com pássaros)
e antes de sair voando ele anunciou que choveria,
me convidou para ouvi-lo acompanha-la a tocar
os concertos de Brandemburgo de Bach.


Allan Sobral