Sobre o que sinto; e não dos sentidos que tem

Poderia falar-te mil coisas sobre os sentidos, mas nenhum sentido teria se eu não dissesse em palavras. Poderia calar infinitamente num gosto, aroma ou numa visão repentina de um mundo em que só se ouve em cores. Mas e daí se o fizesse? Quem teria em mente a medida do encanto da melodia de um passáro se não nos tivessem comunicado antes o sentido bucólico daqueles sutis elementos? Eu não sei. Tu Falas em sentidos como se visse neles uma porta aberta ao mundo; como se o mundo fosse, de fato, algo externo a ti. Eu, no entanto, não consigo jamais entender que cor seria o vermelho se antes essa palavra tão pulcra, manchada em três sílabas que têm em si um próprio sentido em ocorrências afora, não me tivesse representado do sangue a imagem perene de seu conteúdo. Para ver-me, basta que tu me fales, como para mim basta ver-te e dizer-lhe que vi. Não que eu precise, de fato, tocar-te com a minha retina, pois não preciso que seja com olhos - esses tão cegos da parede adiante (como tudo mais nesse corpo que anda e balança) - basta apenas que diga ou que ouça; que escreva, que leia ou rabisque em uma nota de supermercado. E quem há de negar que os tomates tenham tanta vida numa lista de compras quanto num pomar recém semeado? Talvez tu me aches satírico demais pra te ser companhia digna, já que espero tão pouco dos momentos silenciosos. Talvez me aches indigno de qualquer amor espontâneo, por ter eu dado às palavras o peso colossal como o daquela estátua em Rodes, que apesar de nunca ter sido vista por olhos de homens vivos, ainda assim, é possível vê-la com sumpto e magnificência em histórias antigas e novas. Mas entendo que tu mesmo não se dê tanto a essas visões. Não te culpo por olhares tanto pra frente, mesmo quando sabes que lá é que espreita o teu fim. Mas também não direi que te admiro a coragem. Porque não admiro. Sei que existe infinitamente mais sabedoria em olhos fechados que aquela estúpida certeza de que o concreto a tua frente pede o martelo e não tinta preta e pincel. E se tivermos que dar mérito aos sentidos, será menos pelo que encerram em si de absoluta contingência, que pelos adornos supérfluos ou impróprios com que subtraímos eles às palavras. Se o mundo que, com efeito, nos toca é mesmo um mundo de luz e som e matéria, então, mais belas ainda deverão ser estas que dizem sem sombrea-lo - o mundo - senão na memória arcaica que o homem tão ingenuamente aprisinou. E se tu me perdeste na fração diminuta entre um piscar de olhos e a passagem de um vulto, é porque, pobre de ti, tão bem te valem os olhos e a pele e os ouvidos pr'aquelas simples operações do espírito como é o "ver" e o "sentir". Já eu, devo dizer-te, jamais te perderei de vista enquanto tiver - como estas - tantas e tão interessadas palavras alçadas à dentro, como se a porta aberta fosse, ao contrário, um poço profundo e o escuro tão repleto de nuances quanto qualquer primavera. Pois existem mais camadas entre o branco do papel e o preto da tinta do que julgam afetados uns furtivos e ingênuos impressionistas.

Cores

Caminho sobre cores
.... variadas cores
.... calorosas cores
Que escorrem ao toque de meus pés
Deslizam pelo desfiladeiro
Novos mosaicos ao relento
Novas composições ao acaso

Sol nasceu

                                (Tela: Sol poente, Tarsila do Amaral)

SOL NASCEU
    &
       SUA
               EU.

Suado

 Molhados de suor terminam.
 Apressados começaram.
 Ela calcula cada movimento
 Ele sufoca cada gemido.
 O suor
 O grito abafado.
 Ela espera a hora certa
 Ela pondera, ela pensa.
 Ela quer fugir.
 Ele respira. Ele se entrega.
 Ele espera. Ela quer sorrir.
 Os olhos tristes, perdidos.
 O corpo triste, cansado.
 O gemido.
 O calor do quarto abafado
 O fogo do grito abafado.
 O gemido triste.
 Desesperado.
 Molhados de suor terminam.
 O gemido.
 Sufocado.