Porta

De um lado os pássaros cantam
São muitos, vários, fazem sinfonia
Festejam a alegria do alimento
O vento na folhagem, a liberdade
Um olho na vida, outro na morte
Conversam conversas de pássaros
Pulam de galho em galho e fogem satisfeitos

Do outro lado a casa dorme
Embalada pelo canto dos pássaros
E os sonhos de pássaros vagueiam pelo lar
Aromaticamente o café convida ao bom dia
Não, os pássaros não tomam café
Os pássaros brincam de esconde no cafezal
E a casa adormece na cidade cinza


Passarês

Todos estranharam!
Quando anunciei minhas intensões musicais,
foi na aula de música da escola primária
que prenunciei que seria flautista.
Estranharam, pois alguém de minha índole
não possuía o estereotipo de um flautista!
Aconselharam-me quanto a pouca virilidade do instrumento,
quanto o insucesso ante as garotas,
mas eu só tinha oito anos,
não conhecia de fato tal pretensão.
Em busca de patrocínio a esta empreita,
convenci minha mãe com certa facilidade,
mas quanto a meu pai, precisei citar chorões,
como Altamilho Carrilho e Waldir de Azevedo,
afinal, falar em samba para o velho era apelação.

Não contei minha real cobiça a ninguém,
mas acreditava que flautistas falavam com pássaros,
eu intentava aprender tal idioma, o passarês.
Quanto a musica, disseram-me que aprendi tocar depressa,
mas não observaram o tempo que levei pra gorjear.
Foram poucos dias para executar sabiamente todas as notas,
mas demorei meses pra diferenciar pio de silvo.
Em alguns anos executei a Primavera de Vivaldi em um concerto,
mas o bastava o tempo mudar e eu tocava pro outono,
para o verão ou pro Luar, para amores e não amadas,
para amandas e amigos,
para o medo ou alegria...


Os anos se passaram,
e envelhecemos,
eu e minha flauta.
Já não sei se na verdade foi bem essa a história.
Mas sei que hoje pela manhã um saíra-azul
que pousou em minha janela,
disse-me que eu era um velho louco,
(Onde já se viu? Velho que fala com pássaros)
e antes de sair voando ele anunciou que choveria,
me convidou para ouvi-lo acompanha-la a tocar
os concertos de Brandemburgo de Bach.


Allan Sobral