Há um ano, todos os domingos, desde que a doença o derrubou definitivamente, a moça ia ao cemitério e repetia o ritual. Depositava sobre o túmulo um vaso de azaleias, a preferida de ambos, e começava a lhe contar as novidades do jornal de domingo. Lia as notícias, uma por uma, sem nenhuma pressa porque sabia que o pai tinha dificuldades de ouvir. Pulava o caderno das novelas e dava atenção especial ao de esportes. Depois, cantava baixinho, e muito afinada, O Sol Nascerá, de Cartola e lembrava-se das tantas vezes que a música lhe despertara em suas manhãs de infância. Por fim, colocava ao lado do vaso de flores o novo desenho que o neto lhe havia feito. Achava melhor explicar, porque as garatujas eram um pouco incompreensíveis. E lá estava, em traços tortos e bolotas de giz de cera, o vovô jogando bola com as crianças, sobre as nuvens, e todos felizes com a camisa do Santos. Então, em silêncio se despedia. Sem nenhum peso porque fazia isso, simplesmente, para não esquecer.
"Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer". Assim mesmo. Eu estava lá."
ResponderExcluir(José Saramago, em "As pequenas memórias")
FLORES
ResponderExcluirDe onde eu venho,
tu sobrevives,
em outro algúem,
somos tantas.