O espetáculo da pesca

Ainda não se vê o sol quando chegam ao local de trabalho, por volta das quatro horas e meia da manhã. Sozinhos ou em grupos vão compondo o cenário. Alguns conversam, outros permanecem calados e sentados. A espera é pouca, ainda está escuro quando começam a rotina de mais uma jornada no mar.

Três homens levam a jangada de cor laranja da areia da praia até a água do mar, por meio de dois troncos de coqueiro, ocos no meio, que servem de rodas, além de duas estacas de madeira, que servem de alavanca para suspendê-la e trocar a posição dos troncos. Entram no mar; e quando estão lá, o sol nasce clareando a água e o trabalho dos pescadores. O vento sudeste tem a mesma intensidade antes e depois do sol sair, provocando o mesmo som na batida da onda.

Durante um tempo, equivalente a cerca de vinte minutos, há apenas uma jangada no mar; os outros grupos permanecem em terra preparando seus equipamentos ou ainda parados, sem nada fazer, como que esperassem a hora certa. Ao longo da praia, na faixa de areia que se estende na direção norte, se pode ver algumas jangadas postas em direção ao mar, prontas para o momento da entrada, e dessa forma, delimitando o território marítimo em que o grupo irá executar a pesca. Um homem, lá longe, tão pequeno na ampla paisagem, leva na cabeça um tronco de coqueiro, e outro no pé, rolando de volta à areia; a jangada do seu grupo já está no mar.

Pouco a pouco a luz do dia vai revelando o movimento que se faz ao longo da praia e logo aparecem várias jangadas sendo levadas à água. Uma jangada com uma vela de cor vermelha do lado esquerdo, outra pequena à direita, que só cabe dois homens. A primeira que entrou no mar agora volta, após ter chegado cerca de 100 metros de distância da areia e lá permanecido por cerca de meia hora; começa então o mesmo procedimento, a mesma técnica de rolagem para trazer a jangada de volta à areia. Mas trazê-la de volta ao lugar onde estava exatamente antes, não requer pressa; o de mais urgente agora é arrastar a rede que foi deixada no mar por eles, para trazer o que se foi pescado. Vêem para junto do material de apoio que deixam perto das jangadas, e de dentro de um carrinho de mão retiram a puxadeira [1], instrumento de trabalho utilizado na puxada da rede.

Um garoto bebe café na tampa preta de uma garrafa trazida também no carrinho de mão. Uma jangada de vela azul aparece à esquerda no mar e de frente, mais duas de cor branca; enquanto isso, o garoto e um dos homens que estavam no mar, começam a puxar a rede da primeira jangada. O procedimento requer força e resistência física; laçados à mesma corda da rede por meio da puxadeira, os dois de frente ao mar e na mesma linha sentido oeste-leste, com o corpo inclinado todo o tempo, e os pés impulsionando contra a areia molhada como se escalassem o chão. Vão trocando de posição sempre que puxam um tamanho de corda da rede suficiente, deixando para trás a extensão que já saiu da água, com o objetivo de não se afastarem do mar e concentrarem força de uma distância menor possível. Há cerca de meia hora estão nesse movimento, enquanto um dos homens que ajudou a levar a jangada até a água, puxa sozinho o outro lado da rede, que havia prendido em uma estaca de madeira, fixa por ele na areia, dentro do mar há uns três metros de distancia da praia. Pouco tempo depois, quando a rede de arrasto parece estar mais próxima de ser retirada, já não são três homens puxando-a, são sete, que se dividem nos dois lados da rede e cruzam as duas cordas, passando uns pelos outros, como em um jogo ou uma brincadeira de rua. Um outro homem, vem por fora recolhendo a corda que vai ficando na areia a medida que a rede vai ficando mais perto. 

Trabalham em equipe e cada um sabe a sua função e a hora certa de executá-la. Não há ordens, perguntas ou sugestões nesse momento; são movimentos integrados, como em uma engrenagem que funciona bem. Já são 10 homens puxando a rede, alguns dentro da água e outros fora; esses últimos se encarregam de ir dobrando a extensão da rede que não traz nenhum pescado. Duas mulheres se aproximam do grupo e uma delas se junta aos demais, são então 12 pessoas ajudando a retirar a rede do mar. Enfim, toda a extensão da rede se revela, trazendo quilos de algas arribadas, que escondem os poucos camarões e a fauna acompanhante, com cerca de dois quilos. Um deles vai buscar um balaio, onde vão colocando o camarão branco, único produto da pesca que interessa aos pescadores. Ao final, os pequenos peixes de algumas espécies, são recolhidos pelas duas mulheres e por alguns homens que ajudaram a puxar. O camarão que foi pescado não pesava um quilo; segundo uma das mulheres presentes, os últimos dias foram todos assim, de pouca fartura.

Como um dos últimos procedimentos dessa jornada, em trabalho conjunto, sacodem a rede até que as últimas algas arribadas que ficaram presas à malha caiam no chão; em seguida, seguem enrolando a rede, tendo como base duas estacas que estão presas nas duas pontas e que estão fixas na areia. São sete horas e meia da manhã; rede enrolada, pronta para secar ao sol, enquanto os homens, sentados nas jangadas, conversam e tomam seu café-da-manhã, que trazem de casa em compartimentos de plástico. Fim de pescaria.


[1] Acessório feito com tecido grosso, na forma de um cinto e usado na altura do abdômen. É interligado à rede por um pequeno pedaço de corda, que se prende a uma das pontas da mesma. A força gerada para puxar a rede se concentra na coluna e nas pernas.

(Texto integrante de pesquisa de mestrado sobre pesca artesanal)

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