Sou analfabeto por formação
tudo que me ensinaram
fiz questão de esquecer
a minha única escola
foi o livro aberto do mundo
onde como vagabundo
aprendi a ler de tudo
O único alfabeto que soletro
é o da linguagem das conchas
escrito pelas mãos das marés
onde leio o verso do universo
Aprendi a ler na superfície do rio
a vírgula que a água faz
para avisar os navegantes
do futuro precipício
Sei ler o rastro do gado
na linha da estrada
e as falhas que as erosões
escrevem nas rochas
Sei ler no vento
o tempo das chuvas
na nuvem do céu
que põe o sol entre parênteses
leio o desejo dos trovões
que soltam impropérios
no calor dos verões
Leio no canto dos pássaros
o alarme contra o perigo iminente
e a melodia mais bela
que se inventa para amar
No ocaso do dia
que sempre se renova
leio a metamorfose da vida
nos raios das auroras
E no abecedário das estrelas
soletro os desejos universais
e encontro os pontos finais
de todos os carnavais
Nas aspas da neblina
sempre se subentende
o sol que brilha
depois que a brisa acorda
ainda que pareça mentira
As reticências das pedras
atiradas na flor da água
sempre revelam a alegria
da criança que brinca
O rizoma da linguagem nos olhos de quem vê.
ResponderExcluir"joguei meu dicionário às favas/ mudo é quem só se comunica por palavras" (Candeia).