Homem Menino

Os cabelos em cachos castanhos - invadindo testa e orelhas -, e a barba mal feita, contribuem para sua aparência de garoto adulto e homem menino. Bernardo quis se tornar homem o quanto antes e agora quer parar o tempo e descansar. No colégio era o garoto cheio de espinhas, tímido e desatento, sempre a desenhar ao escutar o blá blá blá dos mestres. Hoje é o moço de barba a esconder o vestígio das espinhas, tímido e atento aos desenhos que copia diariamente de fotografias encontradas na internet. Fotografias de bailarinas, de pernas flutuantes, braços ágeis, corpos leves. Bernardo não gosta de dançar. Gosta de observar.

Os olhos castanhos de Bernardo denunciam uma mania adquirida desde a infância quando renegou os óculos de plástico. Ao observar, ao falar, ao escutar, está sempre tentando enxergar mais longe, apertando os olhos com força, como em uma tentativa de acertar o foco. Nunca quis usar os óculos para que não o julgassem isto ou aquilo apenas por conta de um acessório. Ele tem medo dos julgamentos e não julga nunca.

Por conta de sua altura foi incentivado pela família a jogar basquete. Gostava do esporte, mas apenas segurar aquela bola não o satisfazia. Ele ainda não sabia que profissão seguir. E ele também não sabia onde se segurar, já que sua família era ocupada demais pelo trabalho de cada dia, pelos outros dois filhos e pelos bichos da casa. Ele apenas observa a rotina da casa, mas nunca fala nada. Ele sempre observa suas mãos e espera que elas lhe digam o que fazer.

As mãos grandes seguram o lápis delicadamente e apertam as teclas do piano com força e deleite. Desenha a bailarina e toca para ela. Imagina sua bailarina dançando sua música. Deseja tanto que ela atravesse seus sonhos e se materialize ao seu lado. Cansado de viver sozinho, até dançaria com ela, mesmo com toda sua altura, sua postura desengonçada, sua beleza tímida e adormecida, guardada para revelar-se ao lado dela.