A umidade relativa da água.

Chegou na minha casa às 23:37. Sei exatamente a hora porque olhei no relógio - sabia que mais cedo ou mais tarde acabaria escrevendo sobre isso e me apeguei aos detalhes desde a espera até a hora que ela partiu. Abri a porta e ela entrou. Sentou-se no sofá, cruzando as pernas que saíam de dentro do vestido minúsculo, e esboçou um início de conversa: - Bela casa você tem.

- É alugada. – tive que dizer para que ela não pensasse enganosamente da minha situação financeira.

- Ainda assim é bonita. – ela concluiu.

Eu ofereci um vinho, cerveja ou água, ela rejeitou todos sumariamente, se levantou do sofá, colocou as duas mãos na minha cintura e começou com as carícias. Primeiro subindo pelo abdômen, por dentro da camisa, por todo torso até o peitoral, depois descendo, cravando as mãos por dentro das minhas calças e apertando minhas nádegas com força.

Minha timidez me deixou em atraso e eu demorei uns quantos 5 minutos para tomar o controle da coisa. Foi quando a virei de costas com brutalidade, encostei-a contra a parede da sala, bem ao lado de uma reprodução impressa de um quadro de Rothko, puxei a calcinha por baixo do vestido vermelho e penetrei nela sem esperar que ela estivesse pronta. Como não estivesse suficientemente molhada naquele momento sentimos, eu e ela, o vigor áspero e a brutalidade insensível da minha ofensiva. Mas ela logo se umedeceu e aquilo ficou pra trás. Eu continuei por trás dela, com força, num movimento em que fazia me demorar dentro dela, forçando até onde fosse possível a entrada.

Eu mantinha os dentes cerrados: se algum observador oculto me descrevesse espumando pela boca, eu não duvidaria. Ela gemia alto demais e eu cansei daquilo. Conduzi o rosto dela pelo cabelo com violência até embaixo, onde pressionaria sua cabeça contra o meu pau, fazendo da boca um orifício à disposição ininterruptamente. Depois de alguns segundos ela ficava sem ar, pressionava as mãos contra o meu corpo oferecendo resistência contra as minhas investidas, recuperava o fôlego como se lutasse contra um intempestivo afogador, e se largava novamente ao movimento.

Quis chamá-la pelos mais ofensivos nomes que me vieram a cabeça naquele momento, mas permaneci calado, com a mandíbula contraída. Levantei-a, ainda pelo cabelo, apertei firme sua cintura, apoiando-a sobre um móvel ao lado do sofá, e tornei a penetrá-la. Sustentei o olhar diante do olhar dela, que arrefeceu e se desmanchou em submissão sem que ela desviasse de mim os olhos, enquanto eu mantinha o movimento da pélvis, que ela sentia e declarava com um gemido suave a cada estocada.

Ao me aproximar do gozo, puxei com força seu cabelo, inclinando a cabeça para trás, e cuspi sobre a sua boca. Ela arregalou os olhos assustada, mas como não tivesse controle nenhum sobre o movimento que eu fazia e que se concentrava entre suas pernas ela retomou a expressão de prazer e mordeu os lábios encharcados com a minha saliva. Segundos antes de gozar, puxei-a novamente pelos longos cabelos e gozei sobre seu rosto, como se cuspisse uma segunda vez. Ela fechou os olhos e se colocou a disposição.

Retomando o fôlego e deixando pingar as últimas gotas de sêmen no chão, que eu arrancava de dentro pressionando o indicador e o polegar sobre a cabeça do membro, fazendo um movimento que ia da parte superior da glande e do prepúcio até a ponta - como se ordenhasse uma vaca - senti o calor se esvair, o suor que escorria abdômen abaixo, e como se uma criatura completamente diversa daquela que acabara de gozar assumisse o comando, virei de costas e fui até o banheiro, trazendo – na volta – uma pequena toalha que entreguei a ela para que enxugasse o rosto. Ela me agradeceu com um sorriso, como se eu fosse o cara mais amável do mundo. Eu, então, tomei aquele rosto entre as minhas mãos (Até ali não havia reparado na beleza ingênua que se descolava dele, como uma máscara delicada que se desfaz com o toque bruto) e acariciei como acariciasse uma criança ou um cachorro (pois até hoje não sei ao certo a diferença entre o carinho que se deve entregar a uma criança e a um animal de estimação). Os olhos dela, a partir daí, se encheram de água e ela quis chorar, mas não deixou que uma só gota escorresse. Os olhos, que tanto líquido haviam produzido, foram os mesmos que absorveram cada gota não chorada, cada lágrima não descida. Levantou-se dos joelhos no chão que, provavelmente, já sentia doer, e se recompôs. Catou a calcinha, esticou o vestido e esperou que eu tirasse 150 reais da minha carteira e entregasse a ela, conforme fiz logo depois.

- Obrigada! – ela disse não sei se com ironia ou por sincero agradecimento. – Obrigado você! – eu respondi e responderia fosse pela honesta graça ou pelo sarcasmo.

Levei-a até a porta.

Sentei-me no sofá e procurei sentimentos por entre os escombros do que havia sobrado dentro de mim. Certo era que um monte de culpa se fazia conviver com alguma emoção mais claudicante, reticente, e que não deveria estar ali. Pensei por um segundo estar apaixonado. Mas me desfiz do pensamento. Não sei, de fato, o que é a paixão e a poderia ter tomado por coisa muito mais frívola, como já antes tomara, aliás, quando após uma refeição magnífica meus pensamentos se dedicaram tão intensamente àquele prazer que certa vez acreditei estar apaixonado por uma lasagna. Ademais, paixão não é coisa que se compre com 150 reais. 150 mil talvez, mas isso não cabe aqui especular.

5 comentários:

  1. A bunda, que engraçada
    Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
    Não lhe importa o que vai
    Pela frente do corpo. A bunda basta-se.
    Existe algo mais? Talvez os seios.
    Ora - murmura a bunda - esses garotos
    Ainda lhes falta muito que estudar.
    A bunda são duas luas gêmeas
    Em rotundo meneio. Anda por si
    Na cadência mimosa, no milagre
    De ser duas em uma, plenamente.
    A bunda de diverte
    Por conta própria. E ama.
    Na cama agita-se. Montanhas
    avolumam-se, descem. Ondas batendo
    numa praia infinita.
    Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
    Na carícia de ser e balançar.
    Esferas harmoniosas sobre o caos.
    A bunda é a bunda,
    Redunda.
    Carlos Drummond De Andrade

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  2. (…) Com tantos movimentos e observações, acabou Maria de Magdala de fazer o penso ao dorido pé de Jesus, rematando-o com uma sólida e pertinente atadura, Aí tens, disse ela, Como te devo agradecer, perguntou Jesus, e pela primeira vez os seus olhos tocaram os olhos dela, negros, brilhantes como carvões de pedra, mas onde perpassava, como uma água que sobre água corresse, uma espécie de voluptuosa velatura que atingiu em cheio
    o corpo secreto de Jesus. A mulher não respondeu logo, olhava-o, por sua vez, como se o avaliasse, a pessoa que era, que de dinheiros bem se via que não estava provido o pobre moço, e por fim disse, Guarda-me na tua lembrança, nada mais, e Jesus, Não esquecerei a tua bondade, e depois, enchendo-se de ânimo, Nem te esquecerei a ti, Porquê, sorriu a mulher, Porque és bela, Não me conheceste no tempo da minha beleza, Conheço-te na beleza desta hora. O sorriso dela esmoreceu, extinguiu-se, Sabes quem sou, o que faço, de que vivo, Sei, Não tiveste mais que olhar para mim e ficaste a saber tudo, Não sei nada, Que sou prostituta, Isso sei, Que me deito com homens por dinheiro, Sim, Então é o que eu digo, sabes tudo de mim, Sei só isso. A mulher sentou-se junto dele, passou-lhe suavemente a mão pela cabeça, tocou-lhe na boca com a ponta dos dedos, Se queres agradecer-me, fica este dia comigo, Não posso, Porquê, Não tenho com que pagar-te, Grande novidade, Não te rias de mim, Talvez não creias, mas olha que mais facilmente me riria de um homem com a bolsa cheia, Não é só a questão do dinheiro, Que é, então. Jesus calou-se e voltou a cara para o lado. Ela não o ajudou, podia ter-lhe perguntado, És virgem, mas deixou-se ficar calada, à espera. Fez-se silêncio, tão denso e profundo que parecia que apenas os dois corações soavam, mais forte e rápido o dele, o dela inquieto com a sua própria agitação. Jesus disse, Os teus cabelos são como um rebanho de cabras descendo das vertentes pelas montanhas de Galaad. A mulher sorriu e ficou calada. Depois Jesus disse, Os teus olhos são como as fontes de Hesebon, junto à porta de Bat-Rabim. A mulher sorriu de novo, mas não falou. Então Jesus voltou lentamente o rosto para ela e disse, Não conheço mulher. Maria segurou-lhe as mãos, Assim temos de começar todos, homens que não conheciam mulher, mulheres que não conheciam homem, um dia o que sabia ensinou, o que não sabia aprendeu, Queres tu ensinar-me, Para que tenhas de agradecer-me outra vez, Dessa maneira, nunca acabarei de agradecer-te, E eu nunca acabarei de ensinar-te. Maria levantou-se, foi trancar a porta do pátio, mas primeiro dependurou qualquer coisa do lado de fora, sinal que seria de entendimento, para os clientes que viessem por ela, de que se havia cerrado a sua fresta porque chegara a hora de cantar, Levanta-te, vento do norte, vem tu, vento do meio-dia, sopra no meu jardim para que se espalhem os seus aromas, entre o meu amado no seu jardim e coma dos seus deliciosos frutos. Depois, juntos, Jesus amparado, como fizera antes, ao ombro de Maria, esta prostituta de Magdala que o curou e o vai receber na sua cama, entraram em casa, na penumbra propícia de um quarto fresco e limpo. A cama não é aquela rústica esteira estendida no chão, com um lençol pardo lançado por cima, que Jesus viu sempre em casa dos pais enquanto lá viveu, esta é um verdadeiro leito como o outro de que alguém disse, Adornei a minha cama com cobertas, com colchas bordadas de linho do Egipto, perfumei o meu leito com mirra, aloés e cinamomo. Maria de Magdala conduziu Jesus até junto do forno, onde o chão era de ladrilhos de tijolo, e ali, recusando o auxílio dele, por suas mãos o despiu e lavou, às vezes tocando-lhe o corpo, aqui e aqui, e aqui, com as pontas dos dedos, beijando-o de leve no peito e nas ancas, de um lado e do outro.

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  3. Estes roces delicados faziam estremecer Jesus, as unhas da mulher arrepiavam-no quando lhe percorriam a pele, Não tenhas medo, disse Maria de Magdala. Enxugou-o e levou-o pela mão até à cama, Deita-te, eu volto já. Fez correr um pano numa corda, novos rumores de águas se ouviram, depois uma pausa, o ar de repente tornou-se perfumado e Maria de Magdala apareceu, nua. Nu estava também Jesus, como ela o deixara, o rapaz pensou que assim é que devia estar certo, tapar o corpo que ela descobrira teria sido como uma ofensa. Maria parou –ao lado da cama, olhou-o com uma expressão que era, ao mesmo tempo, ardente e suave, e disse, És belo, mas para seres perfeito, tens de abrir os olhos. Hesitando, Jesus abriu-os, imediatamente os fechou, deslumbrado, tornou a abri-los e nesse instante soube o que em verdade queriam dizer aquelas palavras do rei Salomão, As curvas dos teus quadris são como jóias, o teu umbigo é uma taça arredondada, cheia de vinho perfumado, o teu ventre é um monte de trigo cercado de lírios, os teus dois seios são como dois filhinhos gémeos de uma gazela, mas soube-o ainda melhor, e definitivamente, quando Maria se deitou ao lado dele, e, tomando-lhe as mãos, puxando-as para si, as fez passar, lentamente, por todo o seu corpo, os cabelos e o rosto, o pescoço, os ombros, os seios, que docemente comprimiu, o ventre, o umbigo, o púbis, onde se demorou, a enredar e a desenredar os dedos, o redondo das coxas macias, e, enquanto isto fazia, ia dizendo em voz baixa, quase num sussurro, Aprende, aprende o meu corpo. Jesus olhava as suas próprias mãos, que Maria segurava, e desejava tê-las soltas para que pudessem ir buscar, livres, cada uma daquelas partes, mas ela continuava, uma vez mais, outra ainda, e dizia, Aprende o meu corpo, aprende o meu corpo.. Jesus respirava precipitadamente, mas houve um momento em que pareceu sufocar, e isso foi quando as mãos dela, a esquerda colocada sobre a testa, a direita sobre os tornozelos, principiaram uma lenta carícia, na direcção uma da outra, ambas atraídas ao mesmo ponto central, onde, quando chegadas, não se detiveram mais do que um instante, para regressarem com a mesma lentidão ao ponto de partida, donde recomeçaram o movimento.
    Não aprendeste nada, vai-te, dissera Pastor, e quiçá quisesse dizer que ele não aprendera a defender a vida. Agora Maria de Magdala ensinara-lhe, Aprende o meu corpo, e repetia, mas doutra maneira, mudando-lhe uma palavra, Aprende o teu corpo, e ele aí o tinha, o seu corpo, tenso, duro, erecto, e sobre ele estava, nua e magnífica, Maria de Magdala, que dizia, Calma, não te preocupes, não te movas, deixa que eu trate de ti, então sentiu que uma parte do seu corpo, essa, se sumira no corpo dela, que um anel de fogo o rodeava, indo e vindo, que um estremecimento o sacudia por dentro, como um peixe agitando-se, e que de súbito se escapava gritando, impossível, não pode ser, os peixes não gritam, ele, sim, era ele quem gritava, ao mesmo tempo que Maria, gemendo, deixava descair o seu corpo sobre o dele, indo beber-lhe da boca o grito, num sôfrego e ansioso beijo que desencadeou no corpo de Jesus um segundo e interminável frémito. Durante todo o dia, ninguém veio bater à porta de Maria de Magdala. Durante todo o dia, Maria de Magdala serviu e ensinou o rapaz de Nazaré que, não a conhecendo nem de bem nem de mal, lhe viera pedir que o aliviasse das dores e curasse das chagas que, mas isso não o sabia ela, tinham nascido doutro encontro, no deserto, com Deus. Deus dissera a Jesus, A partir de hoje pertences-me pelo sangue, o Demónio, se o era, desprezarao, Não aprendeste nada, vai-te, e Maria de Magdala, com os seios escorrendo suor, os cabelos soltos que parecem deitar fumo, a boca túmida, olhos como de água negra, Não te prenderás a mim pelo que te ensinei, mas fica comigo esta noite. E Jesus, sobre ela, respondeu, O que me ensinas, não é prisão, é liberdade. Dormiram juntos, mas não apenas nessa noite. (...)

    O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago

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  4. Quando acordaram, já manhã alta, e depois de uma vez mais os seus corpos se terem buscado e achado, Maria foi ver como estava a ferida no pé de Jesus, Tem melhor ar, mas não devias ir ainda para tua terra, vai-te fazer mal o caminho, com esse pó, Não posso ficar, e se tu mesma dizes que estou melhor, Ficar, podes, a questão é que tenhas a vontade, quanto à porta do pátio, estará fechada por todo tempo que quisermos, A tua vida, A minha vida, nesta hora, és tu, Porquê, Respondo-te com as palavras do rei Salomão, o meu amado meteu a mão pela abertura e o meu coração estremeceu, E como posso ser o teu amado se não me conheces, se sou apenas alguém que te veio pedir ajuda e de quem tiveste pena, pena das minhas dores e da minha ignorância, Por isso te amo, porque te ajudei e te ensinei, mas tu a mim é que não poderás amar-me, pois não me ensinaste nem ajudaste, Não tens nenhuma ferida, Encontrá-la-ás, se a procurares, Que ferida é, Essa porta aberta por onde entravam outros e o meu amado não, Disseste que sou teu amado, Por isso a porta se fechou depois de entrares, Não sei nada que possa ensinar-te, só o que de ti aprendi, Ensina-me também isso, para saber como é aprendê-lo de ti, Não podemos viver juntos, Queres dizer que não podes viver com uma prostituta, Sim, Por todo tempo que estiveres comigo, não serei uma prostituta, não sou prostituta desde que aqui entraste, está nas tuas mãos que continue a não o ser, Pedes-me demasiado, Nada que não possas dar-me por um dia, por dois dias, pelo tempo que o teu pé leve a sarar, para que depois se abra outra vez a minha ferida, Levei dezoito anos para chegar aqui, Alguns dias a mais, não te farão diferença, ainda és novo, Tu também és nova, Mais velha do que tu, Mais nova do que a tua mãe, Conheces a minha mãe, Não, Então por que disseste,Porque eu nunca poderia ter um filho que tivesse hoje a tua idade, Que estúpido sou, Não és estúpido, apenas inocente, Já não sou inocente (...)

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  5. Soneto para as feridas nos pés

    Não há feridas em pés que caminham
    Pois que não há tal coisa que não esteja
    É na chegada, o suspiro e a dor que as advinham
    Sabe-as até, talvez, sucedido efeito de uma peleja

    Mas as feridas não são como o ar imenso e transparente
    Suspenso, inexistente aos olhos, em plena abertura e movimento
    Tem suas raízes e residem, nos pés descalços, na dor que sente
    Erguem-se sólidas no espaço como montanha ou monumento

    E assim também sobre aquele que parte
    não há como dizer supurada sua arte
    Pois ao norte e ao longo a chaga se solve no esquecimento

    Sobra, assim, a quem fica da dor o encargo
    De dar nome ao hostil e sabor ao amargo
    Um poeta maldito que a cada palavra eu também alimento

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