Caindo

Não lembro muito bem quando pulei, ou se jogaram-me... Só sei que quando percebi já caía neste precipício sem fim. Todos caiam, e caiam sozinhos.

Alguns dos que caiam, agarravam-se a pedras, guarda-chuvas ou papéis soltos, deixados pelos que antes caíram. As vezes divinizavam tais objetos, e diziam que lhe contavam histórias sobre o fim da queda, ou que um dia o sofrimento e o medo acabariam. Mas se acabasse o sofrimento o que seria do Amor?! Por vezes tentei acreditar, também tentei agarrar-me, mas logo desistia, havia pouca beleza em tudo.

Outros desesperados, procuravam-me buscando auxilio na queda, chegaram a me chamar de "mestre", mas nunca tive paciência para tanta bajulação, preferia perder-me em brincar com as cores que se desprendiam dos sonhos dos que antes caíram. Tais sonhos traziam também palavras tortas e surreais. Os mais velhos nomeavam estas palavras doentes de "Poesia". Encantei-me!

E em toda minha queda fui brincando de ser poeta, de adoecer palavras duras, e enganar meu coração tolo. Viciei-me! Viciei-me nos detalhes estranhos, nas conjecturas e nas incógnitas dos sentimentos que explodiam junto a mim. Ora belos, ora medonhos, porém sempre inúteis e fascinantes.

No cair pensei estar acompanhado pela Vida, mas a logo descobri que esta só amaciava meu espírito louco para as constantes visitas poéticas da Morte. Não sei bem quando, mas  mataram-me os sorrisos, morreu também a fé, minha infância suicidou-se sem carinho, trocando-me por adulto, buscando os abraços e beijos que não me deram meus pais.

De todo amor que tinha, grande parte saltou de mim. Sempre disseram-me que o tal do amor é um bobo. Pois esqueceu-se que por aqui tudo cai... sempre cai... rumo à não sei onde. Só cai...

A graça de ser poeta, é cair com ritmo, caímos e fazemos cair cantando.

Hoje caio e canto com o pouco que me resta, canto com a solidão, um sutil toque do eterno amor, a grande carência humana, alguns compassos valsados, grandes pausas e muitos "lá lá lás".

Abraçado a uma bela nuvem eterna, vou caindo. só caindo!

(a Marco Pinheiro e Castro)

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