A propósito do descabimento

Despertei de repente, embora já estivesse acordado. Impelido por qualquer vaidade, fui ao berço de ça propriedade como um, que sou, destemido. Queria saber até onde ia minh'obra. Desafiei-me, então. Subi num palco sem qualquer roteiro e fiz tecer, indecentemente, mais uma alucinação de meu ego. Disse que assim era o trato e me pus ao labor da escultura como um artesão à altura fizesse arte do artesanato. Eu, no entanto, queria mais que um tom de cultura; queria a mágica e o encanto que surgem da folha vazia, da alma em branco. E fui. Pensei não precisar de argumento; de motivo ou inspiração. Pensei que era só por pra for o de dentro e a notícia teria sentido, o "teria" seria por si, e o sentido faria a razão. Mas caber em meu ego, como a caixa onde cabe o sapato cabe no armário, não é uma simples tarefa do intento e não basta a vontade ou os ossos pequenos, pois o espaço que falta não é gaveta ou compartimento, mas justamente esse excesso em pauta, do falar tão seguro que exalta, a propósito do descabimento. E, então, percebi que era tarde; que a tarde na história era o texto e o seu momento - e não a sacada do gênio. Pensei em apagar cada verbo, cada vírgula, palavra e até o espaçamento. Mas havia uma clausula já prevista nos astros - que os minutos gastos, era esse o investimento. E mesmo que assim apagasse, e o branco aos olhos abertos voltasse, o poema jamais voltaria no tempo.

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