Boneca Inflável

Ela está ali, pronta, cheia de ar desde a ponta dos cabelos até a unha do mindinho. A boca sempre pronta a oferecer prazer, batom vermelho, lábios finos sempre abertos No corpo somente o plástico claro a modelar suas curvas sinuosas, o toque especial eram as longas unhas vermelhas das mãos prontas para as carícias, mas em nada, nada mesmo jamais superariam aquela boca, pronta para amar. Assim ele a via... Sobre os olhos sombra azul celeste convidava à viagem entre nuvens de diamantes, fechando-se em nariz afinado e meio arrebitado estilo Marilyn Monroe.

Carregava o estigma da sensualidade feminina a toda prova, tinha que sê-lo, pois precisava muito de dinheiro e a profissão de artista plástico não andava nada boa, ainda mais para os populares, sem escolarização. Seus estudos eram a vida e a arte na rua, para a rua, mas precisava sobreviver e resolvera investir em sexo, coisa sem a qual nenhum caboclo, do mais simples ao mais pomposo, não vivia.

Assim Sr Joaquim da Silva fez Ana Luz - estas bonecas precisavam ter patente para reverter verbas ao seu produtor – levou sua cria para o pracista do pedaço, homem articulado que sabia como colocar um produto no mercado de Sampa. Se dependesse dele, caipira dos Gerais, nem andar saberia nesta megalópole acolhedora, mas que mantém o olhar firme diante dos novatos convidando-os a decifrá-la. Quando aqui chegou, logo se apaixonou por seus túneis e becos, pelas muitas possibilidades de manifestação do que trazia no interior da alforje... Assim articulando, adentrou o “ateliê escritório” do homem arrastando chinelas e foi direto ao assunto. Tinha feito sua obra de arte e queria ganhar muito dinheiro com ela.

Ana Luz era a esperança do almoço ao jantar completo com direito a guardanapo de linho para limpar a boca já meio calada de tão cansada de repetir sempre as mesmas coisas. O nome da boneca trazia a força de nascença, lívida, clara, assim como era sua certeza de sucesso do produto criado. Também... depois de tantos anos de labuta, justa seria sua recompensa, não aquela grande tão sonhada do reconhecimento artístico, mas ao menos a de menor valia, a financeira.

O pracista fazia jogo duro, como um sujo e bom negociador, menosprezava o produto. Mas Sr Joaquim tinha certeza da proposta e não arredava pé. Assim, em consignação, expôs Ana Luz em treze lojas da Praça da Luz, acreditava como num talismã, em começar a venda por este bairro que “iluminava” a sujeira exposta de suas ruas e esquinas, apressadas como seus transeuntes.

Batata. Acertou na veia. Ganhou muito dinheiro com aquela bonequinha, tanto que logo se perguntava se alguém precisava de tanto para viver. O problema é que ficou dependente, as encomendas não paravam, agora queriam de diferentes etnias, sexos, estaturas... e não arranjava tempo para a sua verdadeira arte. Queria deixar o negócio, mas ele não o deixava.

Maluco beleza que era, entregou a Deus, se é que acreditava em algum. Parou com tudo e sumiu país adentro, buscou outras tocas para se acasalar com seus artefatos queridos. Tão longe foi, amando e sendo amado pelas ruas, que alçou o reconhecimento de artista, tinha tantas companhias ao redor, mas sentia um vazio na alma. Por mais que buscasse se apaixonar por homens ou mulheres, sempre tinha dificuldade em lidar com o humano. Assim, acordou numa manhã ensolarada, levantou âncora e adentrou o mar aberto, levando consigo seus tentáculos de polvo e ela, a tão desejada e amada amante Ana Luz, estilo Norma Jean.

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