O chamavam de Gorila

Se queria comer, pegava
Se não queria, dormia
De todo modo não falava
Se escutava, não entendia

Ali parado só olhava
Se pensava, não sabia
Se queria comer, pegava
Se não queria, dormia

Do saber-se nas palavras
Nunca experimentaria
Cansado, sentava
Sentado, jazia

Se faltava, irritava
Quê fazer, não sabia
Nunca trabalhava
Nunca saberia

Do trabalho à palavra
Ele evoluiria
Mas se nunca trabalhava
Do outro dependia

Aqueles das palavras
Lhe tiravam luz do dia
Mas um outro das palavras
Lhe ensinava poesia

Um comentário:

  1. Era um presente do dono do mundo –
    o Dono das Palavras:
    dava-lhe uma
    e esperava,
    dava-lhe duas,
    esperava.
    dava-lhe três,
    esperava.

    O Dono das Palavras esperava uma transformação.
    Que as palavras o fizessem um pouco menos bicho.
    Que as palavras o fizessem um pouco mais gente.
    E assim ele, Dono das Palavras,
    ganhasse títulos e honrarias
    pelas novas descobertas da ciência.
    Evolução.

    O gorila aceitava os presentes – palavras
    como se fossem diamantes.
    Mas não sabia onde incrustá-las
    Não sabia que fazer com elas.

    A poesia do mundo atravessava suas retinas
    revolvia os seus músculos
    fazia morada no seu coração de gorila.
    Mas dele não saíam preciosidades
    fonemas,
    sílabas,
    sentidos.
    Nele a beleza era imagem.
    Seu peito era estéril de palavras.

    O homem, Dono das Palavras,
    deu-lhe mais um diamante
    e esperou.
    Esperou.
    O gorila, piscante, olhos arregalados,
    fez um gesto.
    Sobressalto.

    Catou as palavras-diamante
    cuidadosamente.
    Apertou-as em suas mãos retintas
    um presente.
    Enfiou-as na sua boca primata
    uma a uma.
    Mastigou curioso os fonemas, as sílabas, os sentidos.
    Sentiu correrem até o estômago
    dilacerantes.

    O Dono das Palavras esperava.

    Mas o gorila não arrotou poesia.
    As palavras jaziam dentro dele.
    E ele nem podia chorar.

    O Dono das Palavras estava decepcionado.
    Palavras, diamantes, preciosidades
    Inúteis.

    O gorila fez um gesto
    e outro. Observou tudo.
    Soltou os sons que sabia.
    E contou muitas coisas sobre as coisas
    sobre os homens e os bichos
    e sobre tudo o que brotava dentro dele
    na terra fértil do seu peito
    com o adubo das palavras.
    Mas o homem, Dono das Palavras,
    já não olhava para ele.
    O Dono das Palavras
    não queria sons de bicho
    nem gestos de bicho.
    O Dono das Palavras queria coisas de gente.
    Esperava palavras, diamantes.
    Esperava.
    Esperava.

    (No coração do gorila
    também mil diamantes esperavam.)

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