Do sul, Américas



LISARB – BRASIL – ANAGRAMAS

SALRIB (onde o ribeirão encontra o mar, água doce-salgada, agridoce céu da boca)

LISARB (Lisboa Arborescente, mais-valia Pau Brasil, tantas plantas mais)

A passagem de Kronos, o nome que lhe deram, ou os nomes que lhe dão, vou chamá-lo de Macunaíma, bater o cartão, a hora da novela, deus ajuda quem cedo madruga, o apito da fábrica, a ambiguidade do crepúsculo, toque de recolher na favela, que preguiiiiiiiiça...

Boletim de Ocorrência

- Pode relatar o ocorrido?

- Claro! Eu estava bem quando ele passou. Passou por mim. Através de mim. Enquanto ele passava eu pude entender melhor tudo à minha volta. Mas foi muito doloroso. Ele levou minha juventude, minha saúde, minha energia. Ele levou meus amores, meus sonhos, minhas oportunidades! E então levou minha mãe! Ela que sempre disse que ele era bom, que ele tinha ajudado a resolver os problemas mais graves da família, e ele nem se importou! Eu tentei impedi-lo. Fiz de tudo! Gritei até quase perder a voz! Tentei entrar na sua frente, mas eu já disse: Ele passou por mim; Passou através de mim! E levou tudo o que eu tinha. Eu tentei impedi-lo. Fiz de tudo! Tudo o que encontrei joguei no seu caminho! Fiz barricadas! Mas ele passou por tudo, através de tudo e levou tudo o que eu tinha! Nada o detém! Eu tentei agarrá-lo, prendê-lo... finquei estacas nos seus rastros no intento de ao menos retardá-lo, mas ele passou indiferente. E agora levou meus filhos! Eu implorei para ele voltar, mas ele não volta!

- Por favor, acalme-se e seja mais objetivo... Quem é ele?

Tatuagem Monocromática

“Batidas na porta da frente
                 É o tempo.
                               Eu bebo um pouquinho pra ter argumento...” (Resposta ao Tempo, Aldir Blanc)


Acordava intermitentemente durante a noite, sonhava estar só. A angústia rasgava a garganta em gritos alucinados que ecoavam na noite quieta e morna.

Os gritos arrancavam do sono profundo, repentinamente, a filha em sentinela, o coração de quem espera por notícia ruim a qualquer momento galopava no peito. Após breve pausa, a serenidade voltava ao lar, já envelhecido com suas histórias devidamente marcadas no compasso de cada rachadura a correr pelas paredes.

Hybrid by Skin


A tristeza faz parte das equações sem solução. Já vi isso no filme Incêndios, Vinícius canta isso como religião. Canta nos reverbs dos registros audiovisuais, instrumentos e intérpretes, memória nada mais, onde quem percebe cria vínculos subjetivos, afetivos, do coração ao cérebro, algo bate, algo corre. A descoberta do afeto, ouvindo quem já morreu.

Do aviso vítima

Sou mais uma vítima do aviso
Não me poderia ter largado, de todo, ao imprevisto?

Jamais se deve dar ouvidos
A um homem com uma profecia
Esse corredor reto e liso
Que trata com franco descaso
o quinhão que cabe à poesia

Um balde raso transbordando água fria.

Dos traços

Pintou nela um corpo de traços móveis
Caminhou por ele em passos de cores fortes
Atravessaram-se
Viveram-se por dentro
Os cheiros construíram castelos
Instalaram-se em tons de azul, um tanto de mar, um tanto de susto
Risco vermelho
Há uma tela branca
É tanto que não sabe.

Fruta Estranha

O corpo roça a parede
Num incessante vai e vem
Braços abertos agarrados ao nada
Chamam para si quem passa
Unhas marcam o compasso na tinta fresca
A escuridão roça os pés
Desnudos sob o gramado frio
Na noite fria
Desnuda
As pernas semi-abertas brincam
Em curvas sinuosas, sobem e descem
A boca implora carinho e prazer
Olhos, quais estrelas cadentes
Desejosos...
De pedidos secretos saciados
Esgueirando esquinas, as estrelas
Espiando entre os prédios a lua descuidada,
Expõe cabelo umedecido pela névoa,
A arredondar mais sua face brilhosa
Na agulha, a embalar sonhos adormecidos
Strange Fruit de Billie Holiday
No vão, a solidão acompanhada rastreia,
...qual antena de TV
Momentos de prazer
E fúria.

Miséria de Civilização


Esses dias eu vi uma garça
com uma plumagem branca
pousada no meio de um rio negro
cheio de esgoto e doenças

Ela tinha uma altivez na postura
que raramente os animais perdem
a não ser depois de muito maltrato e abandono
no convívio dos homens
estava sozinha e observava a cidade cinza

"O cão sem plumas"

Os pássaros azuis vagam
Acima das nuvens claras
Sob seu manto escarlate
Resta-nos apreciar o voo deslumbrante
Suave, levado ao sabor do vento
Olhos voltados aos céus
Pinço cada movimento
Mente anestesiada a vagar em cada rodopio

A gente

As vezes paro.
As canetas param.
O teclado para.
A cabeça não.
Me deparo,
Me debato,
Tento em vão me sossegar.
Disfarço.

Gol de Placa

Gosto de brincar nesse mundo
driblar o medo, presentear a vida
marcar um gol de placa todo dia

quanta beleza num drible sem bola
como o poeta quando escreve sem palavras
há uma beleza ainda maior

quando se desafia a estupidez
com alguma graça
quando se dribla a maldade
dribla-se a solidão com a amizade

são atributos do jogador
o dom de saber iludir
e o de despertar amor em toda parte

Drible de Categoria

Não gosto de futebol
Visto, pensam não ser eu brasileira
Brasil Pais do futebol!
Mas, nem tudo é perfeito
E uso regras deste esporte
Cotidianamente...
Driblo a burrice.
Diz o poeta “a burrice é invencível”
Clareza inigualável!
Por que me ponho a driblar então?
Porque não consigo exterminá-la.
Quanta energia gasta...
Quanta tristeza na face...
Quantos aborrecimentos vis...
Burrice. Melhor então aderir a ti?
Nesta hora percebo:
Algumas coisas são irreversíveis.

Leda e o cisne


Da banca do homem mal
à beleza da fêmea fatal.
Quando a natureza (sábia?)
é infinitamente mais letal.

Engendraram-se uns nos outros,
engrenados.

Não sendo Yeats como gostaria, ele é ao menos honesto

Tenho eu outra coisa, a bordar nos céus, que nuvens

densa camada de não sei que substância hostil

desencanto, amargura e essa aspereza crassa

não os semitons, nuances ou a meia luz sutil

Espalharia sob seus pés amor algum se acaso tivesse

Mas eu, sendo de espirito pobre, tenho apenas rancor

Eu espalhei rancor sob os seus pés

Caminhe delicadamente ou afunde - como queira.

Pessoa

Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

E passa

Esgarça-se no espaço.
Materializa-se como rastro em qualquer direção.
É vulto.
Voa.
Treme.
Fura.
Invade.
Arrasta.
Faz.
E passa.

Corro pois não gostei das asas

Ando para não possuir o mundo,
Ando pra não deixar possuir,
Ando para não parar e perceber que canso,
Perceber a dor, perceber arder.

Ando pois cada passo é um esquecer,
Ou um lembrar do que há de vir,
Ando como quem corre para um não sei onde,
Como quem corre para nunca chegar,
Como quem anda por estar perto,

E quando corro deixo.
Deixo viver, deixo correr.

A máscara e eu

E por alguns dias levo minha(s) máscara(s) pra passear! Posso fingir, assim...tranquilamente!
A boca encarnada, os olhos borrados.
- Lágrimas?
- Chuva.
E posso aguachover, misturada com quem ali estiver: cúmplices inebriados do que está aqui dentro, do que está ali dentro.
A máscara e eu!
Nós duas podemos, em meio aos confetes, doer... languidamente!


o "sentido do carnaval" é anterior ao seu, mas poderia ser posterior

eu te levaria pela mão e ia te mostrar que esse negócio que dizem que já morreu (o sentido do carnaval) tá por aí. imagino que se você acreditasse no carnaval seria mais simples olhar pra você sem sorrir, andar de cavalinho, beijar sua nuca, correr dando risada, pular em cima da cama, te mostrar as batidas do meu coração. é difícil convencer alguém oferecendo tão pouco, eu sei. pra você acreditar no carnaval, teria que acreditar que as coisas não têm um sentido único. teria que achar que nada é mais bonito que um espasmo. você teria que querer esquecer que tipo de sujeito acredita que é. você teria que conhecer e amar a inutilidade de uma ação. as inutilidades são fundamentais, ou não são? se você aceitasse o carnaval, a gente poderia fazer o que temos evitado por pura falta de lógica. se você amasse o carnaval como eu, colocaria sua cabeça no meu colo e beijaria minha barriga só pra ouvir o estalo. riríamos juntos de nada especial. não seríamos mais irônicos publicamente e talvez fôssemos mais felizes. se você quisesse, teríamos todas as terças e quartas, quintas, sextas-feiras e dias que quiséssemos pra tentar

Imagina, imagina

Farras e fitas e eu quero morrer assim no seu colo e tantas e tintas e você é tão bonita assim quando gira em tambores e pandeiros e eu sou tão bonito assim quando tudo gira em guizos e gozos e entra na roda morena pra ver repentes serpentinas serpenteia e me beija e me pega em brilhos e bolhas e pulhas mas você tem tudo tem graça “imagina imagina hoje à noite a gente se perder” em saltos sandálias plumas fitas feitos cores claras cintilâncias imagina imagina...


Caravana

E a vida vai puxando o carro,
água eletricidade aminoácidos.

Carnaval!

Auto da barca do inferno,
ou a procissão dos deuses.

De Teogonia ao Candomblé.

UMA FATIA: FILACANTOS

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
   Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão...” (Drummond)


Gosto de deslizar entre as raízes entrelaçadas, enamoradas
............................filacantos..............................
Esgueirar-me por suas entrâncias e reentrâncias dilaceradas
Colher um pouco do néctar intenso ora aqui ora acolá
Para explodir em arbusto híbrido sobre o solo árido

Gosto de sentir o pulsar do corpo no movimento circular,
...........................sinuoso....................................
Do silêncio recôndito, a deglutir vidas em ceifa atemporal
Aconchegar-me a quem ali adormece calmamente, na vigília
Ouvir os sussurros de quem geme na brisa noturna

Gosto de saciar a sede nos pequenos veios venosos,
.............................embriaguez.......................................
Cambalear no tiro disparado sem direção e sem alvo uno
Deixar livros, amigos, riquezas, vergonhas...dançar velado

Deixar que minha face triste, magra e que meus olhos
.................................vazios................................................
Nem dêem por suas mudanças simples, certas e fáceis
Brincar de querer ser aquilo que a gente não é, quem sabe...ir além.

O deserto e a deriva


relação de amor
em cima da linha
melódica.

outro estranho,
céu e terra,
rosto amigo.

Imensidão
inóspita