Estávamos dentro da madrugada e todas as coisas rodando meio escondidas na lama do fim. Todas as coisas ali ainda mas já meio ocultadas naquele lodo de alegria vencida. Então a chuva veio, e foi, levando. Pelos bueiros o resto das folias várias, máscaras, tintas – escorrendo – e vertiginosamente caíram os saltos, as línguas, as mulatas – sorrindo – e a batucada baixando o volume até tombar naquele vão do nosso desejo. Quando chega o fim a gente demora a entender os sinais. Vassouras arrastando as marchinhas manchadas de vômito barato e nossa fé ainda intacta sob o temporal: imagina, imagina.
O sol nascia. Nas ruas as multidões tentaram empurrá-lo de volta, com um temporário sucesso. Fecharam os olhos, tudo escureceu e luzes piscaram confusas sob as pálpebras, é carnaval ainda. Mas o sol estava nascendo, inevitável, triunfante, simples.
A manhã trouxe a quarta-feira num silêncio de sonho. A luz foi derretendo os corpos felizes, exaustos, foi queimando o riso dos foliões. O dia nasceu a fórceps nos corações ébrios da saudade de ontem. As horas passando, carros, movimento, a solidão engasgada, o relógio, o desengano. Nós todos nadando naquele lodo até levantar por força do sol, sem estarmos prontos para nada. Sem despedidas, para não doer tanto, caminhamos tortuosos para longe de nós. E um pensou: pode ser que haja um dia em que o sol seja bem-vindo outra vez. Mas foi só um de nós. Sabíamos que permaneceria em quase todos ainda um ódio das manhãs e um certo olhar de esperança até o fim de fevereiro. Em alguns, sabe-se lá até quando.
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ResponderExcluirVAI PELA SOMBRA
ResponderExcluirCome pelas beiradas
procurando as janelas
caçador de sonhos
e multicruzilhadas
Uma vida de porrada e ginga
Um ano e quatro dias
e mais nada