Miséria de Civilização


Esses dias eu vi uma garça
com uma plumagem branca
pousada no meio de um rio negro
cheio de esgoto e doenças

Ela tinha uma altivez na postura
que raramente os animais perdem
a não ser depois de muito maltrato e abandono
no convívio dos homens
estava sozinha e observava a cidade cinza

O que faz aqui num lugar tão inóspito
um ser tão lindo como esse?
eu quis gritar para ela: não beba essa água!
fuja daqui,  bata as asas e abandone esse lugar
vá para bem longe de nós pelo amor de Deus!

Mas ela não me escutava, permanecia ali
parecia querer participar da nossa desgraça
que miséria de civilização
onde nem as águas dos rios
estão livres para ser límpidas

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Pássaro


    Aquilo que ontem cantava
    já não canta.
    Morreu de uma flor na boca:
    não do espinho na garganta.


    Ele amava a água sem sede,
    e, em verdade,
    tendo asas, fitava o tempo,
    livre de necessidade.


    Não foi desejo ou imprudência:
    não foi nada.
    E o dia toca em silêncio
    a desventura causada.


    Se acaso isso é desventura:
    ir-se a vida
    sobre uma rosa tão bela,
    por uma tênue ferida.

    Cecília Meireles

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