Há
dias na estrada. Não me acostumo com a distância. Não essa. Horas a fio tecendo
com o olhar uma geografia longínqua e estia, quiçá até íntima, já nem sei,
agora que até meu corpo parece às avessas, sem lugar, se confundindo a tudo que
me é solidão. Tudo que me é memória. Um indício ralo deixado lá atrás, a
quilômetros de distância daqui, esse ínterim roçando cada pedaço de chão a que
aporto. Agora mesmo levo o cigarro à boca com os olhos lá fora no
estacionamento, tão longe que me perco em mim mesma, a poeira cobrindo o capô
do carro e tudo a volta. E Deus parece a milhas distante daqui, faz vista
grossa a nós duas, vê?, talvez nem ouça Dylan baixinho no rádio como eu o faço,
com o cigarro na boca e lembrando que dias antes de apagar cada prova de minha antiga
vida e bater a porta e dar com o dia me pesando sobre o dorso feito dúvida,
dias antes eu me decidira por você. Sobretudo me decidi por você, deitada
rente ao sono. Ainda levo os sentimentos nos poros, junto aos grãos de areia,
em cada ranhura de minha pele, no talho sob as gazes feito guardados de
memória. Talvez não me livre disso, logo vira cicatriz e a leve comigo, atada
aos pulsos. Trago o cigarro com ânsia, certa gana nesse corpo cavo, ausente.
Não durmo. Fecho os olhos. Sob as pálpebras fantasmas se esgueiram no breu,
meio da noite ainda, feito os pesadelos de quando criança, quando a madrugada
salivava suas sombras no teto e eu temia me debruçar sobre o sono para não mais
acordar. E então não dormia, feito agora, insone, e tecia minhas fugas horas a
fio. Até crescer, descobrir o corpo, um dique que não se rompia nunca, mesmo
que eu quisesse, ainda que me esvaísse pelos pulsos, não se rompia nunca...