Gota

Shi ...shi ...shi ...shiplatft.
Gota.

Corria desenfreada pelas ruas. Tudo embaralhado. Ladeiras bambas em alta velocidade. Subia, doída. Cortou por becos, daqueles de entrada proibida, de passagem marcada a duras penas. Atravessou ofegante, sem pensar: talvez porque seu cérebro chacoalhava, talvez porque havia sangue em seu corpo, talvez porque havia se esquecido de pensar há muito e voltar não era fácil.

Vrum... vrum ...vrum

O vento nos ouvidos fazia cócegas! Lembrou da época em que sua mãe... Não. Não lembrou. 
Desviou de alguns gatos no caminho. Um deles era rajado de amarelo e branco. Olhos verdes. Esse,o de olhos verdes, acompanhou seus movimento trôpegos, passo a passo, impassível!  Por um instante seus olhos se encontraram: os verdes dele, os verdes dela. Ah!

Vazio.

Shi..shi..shiplaft.
Go-o-o-ta!

Faltava pouco para o topo. Mais uma escadinha improvisada, torta. Escorregou. -Ai! Levantou.
–Ai!Vai... tá chegando, pensou. Pensou não, lembrou. Não, não lembrou. Correu.

Shi...shiplat.
Gota vermelha.

Chegou.
Parou.
Olhou, ofegante a vista do alto.O mar!Ah...o mar!

...

O mar...
Ah...
...

O sol deitando-se suavemente no mar...

Vrum...vrumvrumvrum...Vrumm.

O vento nos ouvidos fazia cócegas!  Olhou e olhou durante algum tempo. 
Ah...
Olhou ao redor, estavam todos ali: a igreja imponente, a culpa, o medo, a decisão.
-Ai!

Shiplaft ...shiplaaaft...shiplaftshiplaftshiplatshiplaftshiplaft.

O chão embaixo dela avermelhou . O céu no horizonte avermelhou. De suas entranhas a chegada da noite se fez vermelha.
Vento.Ventre.Vermelho.


-Preci-so dei-tar, pensou. Não, não pensou.Caiu! 

3 comentários:

  1. http://www.elephantiase.blogspot.com.br/2014/01/um-autor-em-excesso.html

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  2. MERDA!

    Fuga que ultrapassa
    o corpo, naquilo que se lança
    o próprio, seja verso, trapaça,
    dança, equinócio

    do tablado à platéia salta
    o a(u)tor, se alimenta
    dela, que ama e odeia,
    o meio-fio, o chão de estrelas

    (seu) céu, horizonte
    se levantam, e deitas

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  3. Ofício Cantante

    Porque eu sou uma abertura,
    porque as noites cruzam os cometas,
    porque a minha pedra com os lados frios contra as faúlhas,
    porque abre as válvulas e se queima.
    Alguém com os dedos na cabeça dando a volta à criança,
    metendo-lhe mais força pelo fogo,
    criança com um rastilho:
    ou muita resistência na armadura, ou
    peso, ou muita leveza, ou
    dulcíssima:
    ou fósforo, enxofre, pólvora, sopro, a farpa de outro
    - e o ourifício que traz para o visível
    o segredo: gota
    com a trama de pedra calcinada em torno,
    a pedra só abertura pela potência
    de um pouco de pólen
    oculto.
    Porque riscam com áscua,
    porque até à linha pulmonar as labaredas a iluminam,
    porque um hausto de sangue a ilumina em toda a linha cardíaca,
    porque as pontas irrompem do núcleo
    do ouro pequeno.

    Herberto Helder

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