O coração gaguejava lamentos sob o sol a pino. A garganta
seca não podia mais. Os balbucios perderam-se pelo caminho. O coração gaguejava
sob a solidão a pino – um abandono que queimava a pele, rachava os lábios. Era
assim. Um homem só neste mundo de milhões.
O coração gaguejava sobre a terra rachada, a boca rachada
calava, a garganta seca engolia um árido silêncio. No estômago só a raiva e uma úlcera dolorosa – na falta do alimento, o
órgão devorava a si mesmo. No intestino, vermes. Na falta dos restos que a vida
lhe negara, que então outras vidas inermes se alimentassem de sua polpa
escassa.
O céu sem nuvens, sol e solidão a pino. Tudo em volta era
uma fogueira - ele era a lenha, um homem tão só neste mundo de milhões. Ali tudo faminto e seco. No ventre da terra vida nenhuma vingava.
Não muito longe dali havia abundância de rios e águas,
abundância de sabores e prazeres, ele sabia mas nem desconfiava. Abundância
para poucos. Quem entende este mundo de meu deus – perguntava sem perguntar.
Ele não entendia. Não muito longe, poucos se abundavam; mas não muito longe
para homens como ele era longe demais, era outro mundo, mas era o mesmo.
Estrangeiro ele era na vida. Não podia entender o sentido de se nascer para a
falta. Mas então por que deus fazia isso? Nele algo perguntava. Criar gente pra
viver pior do que os vermes, que ao menos se alimentavam da sua polpa –
escassa, é verdade, mas havia. Criar gente pra se arrastar em dores e ausências
lambendo o pó da terra. Se deus soube um dia o que faz, tinha já se esquecido
no meio desse caminho em que ele tão só agonizava - ele pensava sem perceber.
Um homem de coração gaguejante neste mundo de milhões. A
paisagem tinha vergonha dele. O coração gaguejava: como ele, não sabia bem as
palavras. Mas queria dizer. Para quem? Talvez só para fazer eco no sertão de
fome, ouvir-se para ter-se certeza. Porque às vezes se chega a duvidar do
existir, pode ser que eu seja só uma dor – ele pensava sem saber. Uma dor
nascida desse pulso indeciso e gago do coração de um homem que nasceu e morreu
só em um mundo de milhões.
(A última coisa que ferveu no peito dele foi a dúvida. A
dúvida em perguntas mal formuladas pelo escasso vocabulário. Mas quantas,
quentes, fervendo mais que o sol impiedoso daquele dia último.)
DANÇA BANDIDA
ResponderExcluirTomado pelo momento
Tanto fúria como medo
Instinto de sobrevivência
Puxou o gatilho
Do espelho cacos
Morto foi vivendo
Amanheceu
No sol do meio dia
O suor no corpo
Tombará, mas ereto
Afinal dá muito trabalho ficar de pé
Vive atento
Minúcias
Excluirgrandezas miúdas
poente