Nada que vale.
Eu aqui parada e você aí mudo. Nada.
Permita-me que te conte uma coisa: você caiu já era tarde, você perdeu o rumo já era tempo.
Eu plantando sonho em terra seca e você queimado de tanto medo.
Estávamos aqui juntos construindo a tarde, proclamando o futuro em horizontes e como num domingo, por pura monotonia, você voou.
Nada.
A liberdade, eu defendia, haveria de nascer das minhas mãos, da labuta. Crescendo por caminhos ainda desconhecidos.
E você acreditava nela como uma dádiva divina.
Deus havia de ser um cara muito injusto, eu provocava. Ríamos juntos, como que sabendo que aquilo já era o princípio do abismo.
E para cada abismo que nascia eu inventava um pequeno prazer, como um laço que repara o buraco da roupa velha. E assim, quando olhava-me no espelho via uma menina com a vestimenta toda enfeitada e ria, ria sem parar. Apesar de por dentro já sentir o incomodo de cada pequeno alfinete sobre a pele ainda sensível, desprovida de casca.
Quem por ali passava via só a menina de riso histérico e roupa colorida. E você também decerto , mesmo que despindo-me ao fim do dia e lambendo cada pequena ferida, preferia guardar essa mesma imagem. E eu engolia tuas utopias, teus partidos, líquidos quentes com os quais eu fingia saciar minha sede.
Des- culpe, meu a- mor.
Nada. Agora a palavra é uma navalha. E sou eu quem a possuo.
Eu não sa-bia que.
Nada.
O medo já não faz mais sentido, a queda fora longa. E você há de ter medo agora que já chegamos aqui, lábios tocando o asfalto seco? Nem água havia no fim . Tudo era seco e não havia som nenhum. Como a imagem de uma cidade em pause, inaudível, eternamente presa num sinal fechado.
Permita-me que te diga: Já era tempo. Já era um fim. Voa.
Eu ficarei aqui, não corro. Cresço comendo um-de-tudo que encontro pelo caminho, não se preocupe. Vai.
As asas que criamos juntos? Não sei. Nada que vale. Nada.
Ele cruzou a porta.
Ele cruzou a porta.
Fechei os olhos e senti as cócegas. Elas estavam lá. Eu as engoli você não soube. Gozo, voo secreto por dentro de mim. Tudo.
PIRACEMA
ResponderExcluirVôo
Sinto
Nada
Asa
Peixe
D’água
Rio acima
de salmão barbatanas
correnteza sobem contra
Foi com você que tropecei, desastrada, na fina matéria da vida e escolhi, ainda incompleta, chamar de amor o que eu não conhecia.
ResponderExcluirE foi de ti que aceitei o desafio;
e perdi o medo quando mergulhamos
sem sequer olhar pro abismo que engolia o sol.
E foi por sede de delicadeza e por desejo de ver-me inteira que fingi não ver o enroscar de um no outro durante a tecitura da rede traiçoeira.
Não fôssemos, nós, os artesãos, culparíamos a rotina, a juventude ou o ciúme.
Não fôssemos tão hábeis tecelões, buscaríamos a explicação na frieza do tempo.
Mas, sabíamos, porque ingênuos nunca fomos, que a rede terminada nos ataria um ao outro e que de tão juntos, quando livres, jamais voltaríamos a nos tocar.