Voava com uma só asa; é que sofria de cacos!
Desde pequena era assim. Acostumara-se ao coração feito
de margens e aos pés em desalinho.
Via formigas e pensava em mundos distantes. Olhava de
perto aqueles corpos pequenos, irritantes, curiosos e pisava em cima deles. (tinha
medo de amontoados!)
Via o céu e sonhava. Era mais difícil pois lá em cima tudo
era possível.
Era difícil pensar no possível!
Por isso mesmo passava horas do dia se enredando nas
nuvens,
cavalgando em algodões, pulando pó de estrela!
Os cometas eram seus preferidos!
Nunca compreendeu funcionamento de penas, as dos pássaros
e as suas: como um pedaço de quase nada podia te levar pro alto? Como um pedaço
de quase nada te tirava do chão?
Não compreendia muitas coisas. Como por exemplo: os
gritos da vizinha com seu cachorro Banzé; como a água que é uma coisa
transparente e que não dá pra pegar quebrava as telhas de sua casa; porque os
mais velhos diziam “Vá com Deus!”
Talvez fosse seu coração feito de margens que deixava que
o entendimento caísse nos vãos.
Gostava de flor! Dos infinitos cheiros coloridos. Esses eram
de fácil entendimento: - Flor tem
perfume, oras! Até as que não se deixam sentir tem! Para essas só era preciso uma
atenção especial de joaninha.
Aprendera que para voar uma espécie de agudo se formava entre o esforço e o vão do coração.
Aprendera que o agudo apitava! E que quando o agudo apitava um tremor irreversível sacudia os cacos e acordava a asa. Voava com uma só asa. Doía. Ela não sabia que doía porque nunca tinha sido de outro jeito.
Só sabia que sempre fora assim.
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