A Fera, O Poeta

Com a barba por fazer, papel e caneta,
Mais uma vez ele rabisca a noite,
E suas fantasias com o luar...
Um Marlboro vermelho queimando suave,
Enquanto ele assistia sozinhos os infinitos, ·Esbanjando sua inutilidade.

Ele ri
Ri bêbado, (sem álcool) das piadas (sem graça) de dor que a vida lhe fez,
Enquanto sua companheira Solidão enciúma-se
Da beleza que as estrelas perdidas do infinito dão ao poeta
Ao beijar seu rosto cansado,
O beijo de luz destaca uma lagriminha cortante e lenta,
Carregando uma nova poesia ébria.

É ele o tal poeta,
Que faz samba de valsa, e chora velórios de gente viva,
Que se perde antes mesmo de acordar,
Que brinca com o os sim's e não's sociais, encontrando e perdendo-se...


Oscilando entre um vago momento da sua loucura,
Um momento que não sabe se dor passada ou medo futuro,
Loucura de sinestesia, com aroma, cor e frio...
Loucura tipo Dali, loucura Piatam, loucura Drummond, loucura Cristo... Sei lá
Disfarçadamente louco...

Já não reconhece qual de seus muitos eu’s era o poeta,
Qual fragmento daquele luar, daquele malandro, daquele vagabundo,
Não sabe onde tornou-se o descontrole das emoções alheias,
O historiador das meretrizes, herói das donzelas, o filho dos pais e putas!
Tornou-se fera...

Escondido a traz de sua erudição poética, elegância eclética, rebeldia simétrica!
Tornou-se Fera,
Com garras e fome!
Com frio e sede...
Acordando, escondendo-se, comendo e chorando.

Machucando-se pela sua inconstância,
Em suas overdoses, porres, e madrugadas vadias,
Sendo sempre “A Fera”,
Enobrecido ao titulo “O Poeta”.


Allan Sobral

Cantos de Fera

'Ela é uma mina versátil
O seu mal é ser muito volúvel” (Fogo-fátuo, Chacal)

De um canto ela surgia assim, sem tirar nem por, abrilhantando o ambiente
Esmeralda adentra o recinto qual vulcão em erupção abrupta e feroz
Pernas num molejo ancestral avançavam pela passarela sinuosa
Em movimentos cheios de cadência, sensualidade e atitude
A noite só estava começando e ela estava pronta para impulsionar vontades
 
A cinta liga preta presa aos quadris sorridentes ondulava nas curvas sinuosas
Anfitriã, era exibida abertamente por debaixo da mini saia prateada justa
Os elásticos esticados sobre a coxa esguia convidavam ao luxo e prazer
A cada presilha aberta no acabamento rendado da meia, murmúrios impuros
Cantos avessos pelas mesas, redondas luas espiavam perplexas, caladas
 
Nos cabelos loiros uma flor vermelha liberava aroma almiscarado no ar
Embriaguez nos lábios negros ornados de explosões estelares misteriosas
No canto do olho esquerdo uma lágrima suspensa gemia... cristalina
Enquanto a tez pálida invadia as faces famintas do recinto casual e abafado
Mãos a buscar alento nos vãos do viver coletivo e insano do ser
 
O salto agulha negro avançava e esmagava os sonhos expostos na vitrine
Abrindo caminho, deixando rastros de fogo na queima veloz e efêmera
Fumaças movidas por braços embalados ao som do rock’n roll hipnotizavam
Luvas carmim... faíscas raivosas arremessadas a esmo pelo recinto escuro
Deslumbre, fetiche a vagar no palco entrecortado do ser moça criança

Longas unhas escorregavam insinuantes da boca para os fartos seios em riste
Servidos quais taças de espumante no sutiã dourado ornado qual seu nome
Banhados por miríades acanhadas que caíam diretamente do teto escarlate
Para saldar a beleza da fera a invadir a mata hostil... sorrateiramente
Guerra que avança numa constante e insana marcha do ataque a mão armada
 
Entre baratas, lixos, restos e mortos... derramava sonoras gargalhadas
                                   ...a cada canto filado....
Dançava, rodopiava, curvava, exibia o rabo e rastejava incansavelmente
Traduzindo a volúpia da roupa cara e suntuosa no seu interior íntegro
Felino, sombrio, revolto e impiedoso com seus algozes surreais que gemiam

 

 

 

 

 

 

 

O Fila Cantos



Todo mundo fila um canto em todo canto
vivemos filando a vida inteira
filar um canto em todo canto é uma regra
que une todos num só poema

Todos vivemos de filar, mas o sistema
finge que inventa aquilo que fila
dos esforços que rouba
Por isso eu filo, tu filas , ele fila
um olhar, um conto, um canto em todo canto
praticamos a arte de ser humano

Gosto de filar uns raios de sol nas manhãs
Gosto de filar o calor dos abraços do meu amor
gosto  de filar uma viagem em seu poema
filar um sustento do seio da terra
filar dos mares e desertos a dose diária
e pagar sempre com a alegria
de criar mais uma página de poesia

Seguimos juntos
Nos encontramos no caminho
cada qual com seu canto
encontrando-se nos cantos
sentindo-se menos sozinho
repartimos nosso pranto e nosso gozo
nosso canto e nosso sonho
tecendo numa teia de poemas
nossos medos nossos dilemas
dividindo o encanto
vamos nos transformando
criando raízes profundas
vamos resistindo ao calor do deserto
buscando nos lençóis subterrâneos
e nos abraços das raízes
segurar as chuvas que caem do céu
aproveitar cada gota de sua riqueza
para fabricar a seiva de nossas vidas

As lágrimas e o suor que escorrem de nossos corpos
regam essa semente acostumada ao clima hostil
vencendo o inverno a planta desse canto
flori como quem sorri debruçada nos abismos
cheia de dor e amor, graça, flor e espinho

Seus frutos semeiam labirintos nos morros
aprende com seu caos, participa de sua história
vamos juntos até o final, nossa maior glória
nessa luta desigual, semente anscestral
é desafiar a miséria com nosso ideal
reduto de esperança de justiça nessa terra
pela força com que se une a raíz
lança sua mensagem universal