tag:blogger.com,1999:blog-9174800066278667068.post5534754212781454919..comments2023-03-31T06:12:04.414-03:00Comments on Filacantos - Jogo autoral: As Impossíveis Aventuras de Meu Amor num Outro Lado do MundoCaio Dezorzihttp://www.blogger.com/profile/15143792495611049950noreply@blogger.comBlogger2125tag:blogger.com,1999:blog-9174800066278667068.post-72813964747645721832012-03-15T23:53:30.209-03:002012-03-15T23:53:30.209-03:00A MULHER QUE PARIU UM SILÊNCIO
Nasceu sem um grit...A MULHER QUE PARIU UM SILÊNCIO<br /><br />Nasceu sem um grito sequer. Sua mãe parara de sofrer. O médico anunciou, quase dois dias depois, meio sem conseguir esconder um pesar: é menina.<br />Cresceu tentando ouvir o que as pessoas diziam antes e depois das palavras. Ficava intrigada com o ar que entrava boca adentro para dar fome à ideia que seria expulsa pelos lábios. Como quando seu pai lhe dera boneca vestido rosa cozinha castigo perna cruzada recato, mas não lhe explicara porque.<br />Menstruou sem que sua mãe lhe anunciasse o sangue, sem dar nome nem motivo. Só lhe restou a água para lavar e mais silêncio. Mas sentia um barulho dentro de si que jamais sentira antes.<br />Foi estuprada por um desautorizado no caminho para o trabalho. Não gritou. Ele fez ameaças velozes de vai e vem e caiu quieto e satisfeito após um último tapa em suas carnes.<br />Um dia, enquanto faxinava mais uma casa, ouviu sua patroa quase dizer que não limpava a casa para ter mais tempo para fazer coisas de mulher. Lembrou que tinha que chegar em casa e fazer o feijão e estender a roupa e lavar o banheiro e varrer a sala e limpar o quarto comerbanhardormir. Suspirou, sem fazer som para não incomodar a patroa.<br />Ao entardecer, já mãe de tantos, surpreendeu-se com sua casa vazia despejada pela prefeitura que alegou juridiquêz para tirar tudo dalí, sem querer saber um A. O homem autorizado que a esperava só era papel, nem palavra.<br />Neste dia, foi até o marco zero da cidade e, com toda força de sua vida, pariu um silêncio que fez a noite chegar para sempre.Osvaldo Hortencio (Dinho)https://www.blogger.com/profile/06200178960017782592noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9174800066278667068.post-34718964488777055792012-02-19T00:51:15.858-02:002012-02-19T00:51:15.858-02:00A Menina, os grunhidos e os bichos oportunistas
D...A Menina, os grunhidos e os bichos oportunistas<br /><br />De tão pequena se fez nuvem. E fumaça, que sumiu no céu. Diferente do que fora, mas não distante do que viveu. Sumiu menina. Sumiu no mundo de meu deus e não fez falta a ninguém. Agora se me permitem elucidar, vou narrar os fatos como deve seguir a lógica dos amestrados. Nasceu XX, que assim era em cromossomo, pois a aparência: amorfa. Sem forma de vida, com ossos cobrindo os cabelos e dentes na boca, mas do estômago. Já brotou em fome. Já veio trabalhando e em espaços espaçados uma ou outra lambida em restos de embalagens.<br />Seu destino traçado em lixo - assim o mundo a percebia. Resto de aborto do ventre mais seco que também virou fumaça.<br />Cresceu, pouco, entre ratos e restos. Gente nunca viu, pois seu povo não era de se notar.<br />Algum dia alguém lhe deu um nome, em graça, Menina. Não lhe cabia ser mais do que as outras Meninas que certamente virariam, como ela, fumaça. Então chamou-se assim: Menina.<br />Fala não, nunca aprendeu. Grunhidos. E desse jeito se entendiam.<br />Eram todas e todos Meninas e Meninos, uns maiores, outros mais fortes e outros sem eira nem beira. Ali rastejavam e disputavam terreno contaminado com urubus e qualquer outro animal oportunista.<br />Certo dia, ou melhor certa vez, já que aqui os dias não cabem em vocabulário, sendo esses privilégios dos que os aproveitam, Menina em meio as escavações, na grande montanha imprestável, por dentre as sobras fétidas, viu uma estrela. <br />Estrelas eram comuns quando por um instante a fome lacerava o fio de vida e em tontura a pequena repugnante rodopiava até pousar tranquila a ver estrelas, se fosse noite. Assim, naquele alto, pequenos pontinhos piscavam, ela cerrava os olhos e preenchiam o vazio do saco que tinha por dentro, logo abaixo das costelas. Assim ela acreditava, já que tudo eram sacos, restos e embalagens, ela só poderia ser um grande saco cheio de coisas ruins por dentro. Mas aquela estrela estava lá, no meio dos outros tantos sacos e barrancos e brilhava, mas que as do céu.<br />Não teve dúvidas, com seus dedos privados de carne, tocou a estrela, lambeu e colou na testa. Estava linda. Ela piscava. E foi notada. Os grunhidos, os urubus, os ratos, os bichos oportunistas, Meninas e Meninos notaram e num rodopio todos cerraram seus olhos e devoraram sua direção. A fome da miséria é fome de vida e ao piscar ela existiu, por poucos instantes, mas existiu. E devoraram até seus ossinhos puídos e mirrados, que lhes derreteram nas bocas como pó de giz. E de tão pequena se fez nuvem. E fumaça, que sumiu no céu.Andressa Ferrarezihttps://www.blogger.com/profile/18025653223942479344noreply@blogger.com